terça-feira, 27 de abril de 2010

Dispersão


Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro sempre a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

...

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

...

(As minhas grandes sauddes
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que não sonhei!...)

...

Desceu-me n´alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em uma bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enloqueço...
A hora foge vivida
Eu sigo-a, mas permaneço...

...

Mário Sá-Carneiro

Foto: Keukenhof, Holanda - Abril de 2009

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