Desde que nos mudámos para Sydney que voltei a andar de comboio diariamente. Trabalho mesmo no centro da cidade e não há melhor ou mais prática opção. As minhas viagens são curtas mas não por isso menos interessantes pois dedico-me a uns dos meus passatempos favoritos: observação ;-)
Quase todos viajam colados aos seus smartphones. Grande parte de headphones nos ouvidos, mesmo quando se dirigem aos seus destinos a pé pelas ruas da cidade. Ainda há dias um jovem deixou cair o cartão de acesso ao escritório na rua e uma velhota que vinha atrás dele, apanhou-o e chamou por ele. Ele não ouvia nada, pois ia de headphones postos, e a pobre da senhora teve de largar numa corrida atrás dele (o moço tinha a passada larga) até lhe conseguir tocar no braço e assim chamá-lo à atenção. Ora isto de bloquear os sons à nossa volta pode ser perigoso... Se fosse a buzina de um carro, será que ele ouvia?!
Depois há aqueles que não contentes em ouvir a sua música, sentem que devem partilhá-la com toda a carruagem do comboio! Eu bem olho para eles com cara de "Desculpa lá mas não me apetece levar com o teu ruído" mas o meu olhar 42 não têm qualquer impacto perante quem progressivamente destrói os seus tímpanos de livre e espontânea vontade! Já me cruzei um par de vezes com um velhote que só ouve Metal a alto e bom som, um kota que curte tanto o seu jazz que abana literalmente a cabeça ao som da música que insiste em partilhar com os restantes passageiros e um asiático, trintão, que uma vez desatou a dançar carruagem fora como se de uma pista de dança se tratasse! O homem teve o seu momento de fama pois por instantes toda a carruagem parou incrédula a olhar para o o seu
One Man Show!
A maior parte dos que vejo agarrados aos telemóveis navegam no Facebook, no Twitter, no Instagram, etc. Há também quem jogue Candy Crush ou consulte as apps dos jornais. Sim, eu sei, é uma invasão de privacidade olhar para os ecrãs alheios ;-) Poucos viajam com livros, Kindles ou lêem livros nos seus smartphones mas ainda há quem opte por aproveitar o tempo de viagem para se dedicar à leitura.
Noutro dia sentou-se ao meu lado um indivíduo japonês, que ia a ler algo no seu telemóvel. À partida esse seria um comportamento normal não fosse o rapaz ler em voz alta, a grande velocidade, e ficar sem fôlego ao fim, do que me pareciam ser, algumas linhas! Eu bem que olhei diversas vezes para ele, como quem diz "Shiiuuu! Não se lê em voz alta no comboio! " mas o rapaz estava tão entretido com o seu texto que nem deu pela minha existência.
Sydney, sendo a maior cidade australiana, deve decerto ter o maior número de "malucos" por metro quadrado e muitos deles devem gostar de andar de transportes, pois não encontro outra explicação para a quantidade de pessoas que vejo a falarem sozinhos, a cantar (ópera!) em voz alta, a insultarem aos gritos um espaço vazio à sua frente. Isto torna sempre qualquer viagem interessante e faz pulsar a adrenalina pois nunca se sabe muito bem quando é que o "maluco" se passa a sério e prega uma bofetada a alguém!
Mas também temos teatro... Noutro dia, dois (duas) travestis/transsexuais pegaram-se numa cena de pancadaria em plena plataforma. Uma entra no comboio, quando este chega à estação, para logo atirar a sua mala para o chão e sair lá para fora para agredir a outra. Quando decide que afinal se faz tarde e que tem de apanhar o transporte, entra e a outra desvairada entra atrás e toca de se engalfinhar naquela que lhe tinha ido à "tromba". Outros passageiros, corajosos ou mais loucos ainda, tentam separá-las enquanto tentam segurar uma dentro do comboio e a outra do lado de fora. O funcionário que está na plataforma e cuja função é assinalar ao maquinista que pode seguir viagem, fica impávido, qual fiscal de linha, a ver a cena desenrolar-se ora fora, ora dentro, do comboio e espera pacientemente pelo desfecho. Os passageiros, os tais corajosos ou mais loucos ainda, lá conseguem separar as doidas (uma dentro, outra fora), o funcionário faz sinal ao maquinista com a sua bandeirinha vermelha e ouve-se o aviso de que as portas automáticas vão fechar. O comboio segue caminho, não sem antes uns insultos de parte a parte, gritados através do vidro, em que as doidas se chamam de feias. Nisso tinham elas razão: não só eram mulheres/homens feias/os (!), como foram umas feias por nos fazerem chegar atrasados à estação seguinte!
Eu... divirto-me a observar estas interacções, perco-me em pensamentos mais ou menos profundos sobre a sociedade onde me insiro e vou também brincando com o meu smartphone, lendo um livro/Kindle, ou simplesmente olhando pela janela, embalada pelo agradável movimento do comboio nos carris :-)