Quando soube que estava grávida confirmámos com o médico que não havia perigo de voar e decidimos manter os nossos planos. Primeiro fomos até Melbourne, viagem que já estava planeada há alguns meses, seguido de 4 semanas em Portugal com uma paragem pelo Dubai. Felizmente, não sofri de enjoos pelo que as férias correram bem e com uma alegria especial.
Chegados a Portugal partilhámos a boa nova com as nossos pais que ficaram em êxtase! Ao fim de 13 anos de vida em comum eles já tinham perdido a esperança de lhes darmos netos por isso a alegria e a surpresa foram ainda maiores. Partilhámos também a notícia com outros familiares e foi excelente poder sentir os abraços apertados de quem nos quer bem.
Andava muito bem disposta mas tive contudo muuuuuiiiiito sono... Mas é um sono diferente do que alguma vez tinha sentido até aí. Não é derivado de cansaço e nem sequer sentimos que estamos ensonados, só que assim que nos sentamos numa posição confortável adormecemos profundamente. Lembro-me de uma ocasião em que tivemos de ir a casa buscar algo e o plano era sair logo de saída mas enquanto o Homer aproveitou para ir à casa de banho eu sentei-me em cima da cama e só me lembro de acordar duas horas depois, ah ah ah ah ah ah ah ah
Ainda tínhamos mais uma semana de férias em Lisboa quando após um almoço de Domingo com os pais senti um corrimento semelhante ao período. Fui de imediato à casa de banho e quase ia tendo um colapso quando vi imenso sangue. Esperei uns minutos, voltei à casa de banho e continuava a sangrar. Com a maior calma que consegui encontrar comuniquei ao Homer que tínhamos de ir ao hospital enquanto tentei acalmar os nossos pais com o facto de não sentir qualquer dor.
Com receio de ficar imenso tempo à espera nas urgências de um hospital público dirigimo-nos à CUF Descobertas que sendo um hospital privado haveria de ser mais rápido. E o atendimento foi de facto rápido mas.........
Fomos encaminhados para as urgências de obstetrícia e apanhámos um médico da velha guarda que claramente já deveria estar na reforma. Depois de algumas perguntas relevantes segui-se o exame físico e aí começou o nosso pesadelo. O médico em momento algum teve em linha de conta o meu conforto, ou o meu receio da situação pelo qual eu estava a passar, e ao tentar fazer o exame interno simplesmente tentou inserir a sonda ecográfica como quem enfia a mangueira da gasolina no carro para encher o depósito. Claro que a reacção involuntária de qualquer músculo perante tal cenário é contrair. Quanto mais ele tentava realizar o exame com tal brusquidão mais eu contraía os músculos, incapaz de relaxar, dificultando/impossibilitando assim o exame. Enquanto isto se passava ele ia dizendo coisas como: "oh filha, abra as pernas", e outras pérolas assim. Chegou a afirmar que eu tinha uma malformação na vagina e a questionar como é que tal nunca me tinha sido diagnosticado!
Eventualmente chamou uma colega para o ajudar. Esta perante a descrição dele acerca da situação perguntou-me se eu era virgem!!!, ao que eu lhe respondi simplesmente: "estou grávida!!!".... Ela lá me conseguiu descontrair um pouco e com jeitinho conseguiu realizar o exame sem mais dificuldades. E ele não se poupou a novos comentários infelizes: "pois, só querem é mimos... como uma mulher já deixam." etc...
Enquanto os dois observavam o monitor da ecografia o primeiro médico começa a falar com a colega, ignorando completamente a nossa presença como se fossemos surdos ou parvos, e diz coisas como: "pois, isto é mesmo uma interrupção", "já não está cá nada", etc. Ao ouvir a palavra interrupção, pronunciada mais do que uma vez, não aguentei mais e desatei a chorar olhando para o Homer e dizendo que tínhamos perdido o bebé.... O pobre, que até aí se tinha tentado manter forte pelos dois, começou-se a sentir prestes a desmaiar e teve de se deitar na outra marquesa que havia na sala.
Estávamos os dois a olhar um para o outro, tristes e em estado de choque, quando os médicos decidem também fazer uma ecografia pélvica e oiço o fulano dizer, surpreso: "ah, mas ainda tem batimentos cardíacos! E tem sinalética!". O Homer voou da marquesa até ao pé de mim e incrédulos olhámos para o monitor onde vimos a imagem e ouvimos o coraçãozinho do nosso bebé a bater, 148 batidas por minuto :-)
A felicidade que nos invadiu foi imensa mas... como é que um médico com uma longa carreira (presumo, dada à idade do senhor) pode ter tamanha falta de tacto, sensibilidade e respeito pelos seus pacientes???!!! Presumo que já tenha visto muitos abortos espontâneos pois as estatísticas mostram que uma em cada 4 gravidezes não progride para além do primeiro trimestre mas não se pode perder a noção de que para os pais a dor é imensa e é muito mais do que uma imagem no monitor de uma máquina, é um bebé que foi desejado e é já amado (embora seja ainda feto...).
Vim para casa com instruções de repouso. Voltaria no dia seguinte para fazer uma nova ecografia mais detalhada. Saímos do hospital em estado de choque, preocupados com o risco de perder o bebé, aliviados por ter ouvido o coração a bater e a tentar processar os eventos e o tratamento a que fomos submetidos. Nessa noite mal consegui dormir e cada vez que me recordava daquela sala de hospital sentia calafrios...
Na manhã seguinte dirigimos de novo ao hospital e quando lá chegámos a recepcionista já estava à espera da nossa visita. O médico que me tinha visto no dia anterior tinha ligado para o serviço a avisar que iríamos fazer uma ecografia de cariz urgente e fomos logo atendidos. Nesse aspecto o serviço foi, de facto, excelente.
Desta vez fomos também recebidos por um médico experiente, de cabelos brancos e idade avançada, mas que usa a sua experiência como uma mais-valia no tratamento dos seus pacientes e não como autoridade insensível. O médico foi um amor de pessoa, explicou-nos tudo com clareza, alertou-nos para os perigos e aquilo que ele preveu em relação ao parto veio efectivamente a concretizar-se.
Diagnosticou-me uma ruptura de 2,7 cms da placenta. Isto é algo que sara apenas por si só com repouso, nada mais se pode fazer. E num cenário destes a probabilidade de um aborto espontâneo aumenta.
Ora, nós tínhamos viagem marcada de regresso a Sydney para a semana seguinte. O médico assegurou-nos que viajar de avião não era um problema mas que não poderia levantar qualquer peso ou andar muito. Assim sendo, ligámos para a companhia aérea e pedimos assistência pelo que vim de cadeira de rodas de Lisboa a Sydney. E de coração apertado, claro está.
Felizmente, a bebé A. foi uma valente, cheia de vontade de nascer!